Quando pergunto a alguns amigos veterinários sobre o que eles queriam ser desde criancinha, eles dizem: ''VETERINÁRIO''. Eu sou diferente, eu queria ser Pediatra, mas com a vinda da minha sobrinha, que destruía o meu quarto eu tratei logo de mudar de especialização, queria ser Oncologista.
Tentei vestibular para Medicina inúmeras vezes e nada: UFC,UFMA,UFPA,UFPE,UESPI,UFPI,UFRN...
Só que desde que tentei vestibular pela primeira vez havia passado em Veterinária, mas achava que não queria. Cursei 2 disciplinas e executava o trancamento nos semestres subseqüentes. Depois de muito sofrer em cursinhos e brigas com a minha auto-estima sempre que levava bomba no vestibular, resolvi voltar pra Veterinária.
Retornei e tratei logo de arranjar um estágio na clínica da faculdade, queria logo ver como teria sido na Medicina. Muita adrenalina, querendo ajudar a tudo e a todos; amenizar a dor dos pacientes, queria ser a melhor estagiária! Só que foi meio desastroso porque sempre que vinha uma emergência, tipo animal atropelado ou alguma mazela no mesmo prisma eu chorava mais que os donos dos bichos e uma vez passei mal na frente do proprietário, foi ridículo. Depois de algumas tentativas decidi mudar de área, a Veterinária nos dá um leque de opções e não me desesperei; mas foi bom porque percebi que Medicina não era minha escolha correta, ainda bem que não havia passado.
Interessei-me por um estágio em um laboratório de Microbiologia de Alimentos, mas nunca dera certo; atualmente, entendo o porquê. Tive que mudar meu projeto de Especialização porque odiei trabalhar com as bactérias do mal.
Fui para o Laboratório de Reprodução de Carnívoros aonde conheci pessoas inesquecíveis, apesar de gostar de lá, ainda não era o que queria e no último semestre descobri a minha paixão por inspeção e vigilância sanitária de alimentos.
Durante o estágio no LRC trabalhei com comportamento animal e ajudei nas cirurgias, apesar de ter medo e sempre achar que iria com minha força deslocar todos os órgãos dos animais.
Gabriel sempre falava: - Vou voltar pro Rio de Janeiro e você será "expert" em cirurgias, criatura de Deus!Perdão amigo, mas não. Não mesmo!
Pois é, isso tudo pra começar a história de hoje. As palavras seguintes serão do Dr. Jr Jr., porque nesse foco narrativo eu simplesmente estava fora de órbita...
"Quem pensa que abandono é uma palavra aplicada ao meio humano, engana-se. Animais são vítimas desse contexto todos os dias.
Então é aí que começa a história de Branquinha, cadela SRD (sem raça definida) que em 4 dias tentando parir seus filhotes, teve a sorte de passar das mãos de um dono desleixado para um atencioso.
Mas como tudo é uma linha tênue, o novo dono não tinha como pagar a cirurgia.
Lá vão eles em busca de uma solução e só escutam nas clínicas o triste e amargo valor da mesma: 350,00R$.
Acabam encontrando a Unidade Hospitalar Veterinária da UECE e diante da lotação com pacientes na fila de espera, Branquinha é repassada para outro dia. Uma possibilidade remota!
A professora do Laboratório de Virologia se comove com a situação e tenta encontrar uma saída. Surgindo assim, o Laboratório de Reprodução de Carnívoros, mas a solução novamente se perde pois não tinha nenhuma das pessoas da cirurgia lá. Então, eu, Jr. Jr. mestrando sem noção do Ananas comosus, vulgo ABACAXI, me disponho a fazer junto com a minha companheira de aventuras também sem noção, pois cirurgia não é da nossa rotina. Apesar de sermos veterinários e termos passado pela cadeira de cirurgia.
Arrumamos a sala, anestesiamos a cadela e quando adentramos a cavidade abdominal observamos um fato estranho, mas ninguém comentava, o que seria hein? O silêncio se fez na sala... Além do fato do filhote estar na cérvix e na parte inicial do corpo do útero, vulgo: Tá atravessado mesmo o bichinho. Já estava morto e nada podemos fazer e o momento fatídico com direito a jargões que ficarão na história e como no Brasil tudo vira letra de música, não se espantem se esse virar.
- Dra. Dadá vamos fazer a parte do corpo uterino, quer fazer?
- Claro!
E começaram as suturas. Fico pensando como seria descrever uma sutura, acho que seria como num jogo de futebol. A agulha passa pelo vaso, penetra, dá uma volta e o contorna, faz um duplo carpado seguido de duas piruetas, cada uma em sentido contrário e é suturaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaado o corpo.
Ufa! Sim. É importante lembrar que não existiam apenas esses 3 personagens, lá estavam uma bióloga que foi inocentemente ajudar e num passe de mágica ela irá desaparecerar num dado momento da história. E também uma outra Dra. chegada à vigilância sanitária de alimentos, a mentora da organização da sala cirúrgica e do correr da carruagem.
Mas continuando...suturado o útero a Dra. Dadá expressa-se:
- Pronto, pode cortar???
Pessoal, são colocadas pinças presas aos fios de sutura assim como o corpo do útero também é pinçado...
- Pode, vai lá...
Um minuto de silêncio e corta-se o útero e os nós se desfazem e apenas uma humilde pinça fica e um som ecoa e toma conta do ambiente cirúrgico:
“VAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAALHA ME DEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEEUS!!!”
Era como no massacre da serra elétrica, sem a serra é claro, a hemorragia toma conta...
O sangue jorrava, fazendo uma analogia, como os aspersores da UECE num começo de dia e penso : PPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPPQP
E começa a luta contra o tempo e a cadela retornando , como pude esquecer, a coitada quase retornou a si, mas foi tomada pelos repiques anestésicos e eu pinço ali e acolá, e Dra Dadá olha várias vezes para a Dra. em alimentos com uma cara de fome, misturada com um assalto acompanhado de uma surra, em um dia de domingo. E a Dra. Renna Roberts faz aquela cara de paisagem, como se tivesse fugido dali, fora para um universo paralelo, o sangue a respingar e pintar a sala parece não mais afetá-la. Acooooooooorda mulher!! Volta para esse mundo!!E do nada se escuta: - Pronto, conseguimos. Ufa!
A vontade que deu em todos na hora talvez fosse apenas uma: Pessoal, juntemos as mãos e oremos pelas pinças que estão a nos ajudar!! OOhhh glória!!!
Estava cansado e ainda tenso da situação, com o ombro acabado, olhei para a Dra. Dadá e perguntei se ela poderia continuar, mas quem consegue depois de tudo isso?
Eis que chega uma anja e pergunta se pode ajudar e continua a cirurgia, era a Dra TICIanja.
Eu e Dra. TICIanja percebemos o quão o trabalho seria árduo, pois eram muitos vasos sanguíneos a serem suturados.
Quase conjugamos o verbo suturar em todos os tempos verbais. Era muita sutura. Acabamos com o estoque de fios cirúrgicos do laboratório. Parece engraçado, mas não é; pois a cirurgia durou 3 horas e uns quebrados... E depois de inúmeras suturas de vasos, conseguimos chegar aos ovários e a Dra TICIanja, de forma graciosa terminara a cirurgia.
Desculpem-me, mas a imagem do sangue jorrando me causou falência momentânea dos neurônios terminada a cirurgia, fechamos a incisão, 3 planos cirúrgicos como manda o figurino e a cadela Branquinha passa pelo primeiro sufoco e esperamos que seja o único em sua vida."
Pois é, em vários momentos dessa cirurgia eu pensei: CORRE, CHAMA O VETERINÁRIO!!!Apesar de saber que na sala haviam 3 naquele momento de maior desespero!Há quem não nos valorize ainda. Depois desse dia pode ter certeza de que não vou mais achar tão caro e dispensáveis certos procedimentos. O proprietário deixa o seu animal para uma cirurgia e o recebe saltitante e vivo. Nem imagina o quão possa complicar e os cirurgiões estão ali fazendo até o impossível, recebendo quiçá ajuda divina para salvar a vida desses nossos tão amados bichanos.